Escola Justa

 

O que é uma escola justa ?

 

Ao contrário das sociedades aristocráticas que priorizavam o nascimento e não o mérito, as sociedades democráticas escolheram convictamente o mérito como um princípio essencial de justiça: a escola é justa porque cada um pode obter sucesso em função do seu trabalho e das suas qualidades (Dubet, 2004).

Nos países ricos e modernos, a igualdade de oportunidades foi progressivamente implantada com o alargamento da escolaridade obrigatória e a abertura do ensino secundário e do ensino superior. A igualdade de acesso à escola está quase garantida e constitui um progresso considerável. Contudo, a escola não se tornou mais justa porque reduziu a diferença quanto aos resultados favoráveis entre as categorias sociais e sim porque permitiu que todos os alunos entrassem numa mesma competição. Do ponto de vista formal, actualmente todos os alunos podem ambicionar a excelência, na medida em que todos podem, em princípio, entrar nas áreas de maior prestígio, desde que os seus resultados escolares o permitam (Dubet, 2004).

Porém, esta concepção de justiça escolar depara – se com grandes dificuldades. Quais são essas dificuldades? (Dubet, 2004)

1.     A Sociologia da Educação mostra que a abertura de um espaço de competição escolar objetiva não elimina as desigualdades. Por exemplo, são evidentes as diferenças de desempenho entre os alunos logo desde a escola primária. As desigualdades entre os sexos e entre os grupos sociais persistem e assim, os mais favorecidos têm vantagens decisivas. Essas desigualdades estão ligadas às condições sociais dos pais, mas também ao seu envolvimento com a educação, ao apoio que dão aos filhos, bem como à sua competência para acompanhá-los e orientá-los;

2.     A igualdade de oportunidades pressupõe uma oferta escolar perfeitamente igual e objectiva, ignorando as desigualdades sociais dos alunos. Ora, todas as pesquisas mostram que a escola trata menos bem os alunos menos favorecidos: os entraves são mais rígidos para os mais pobres, a estabilidade das equipas docentes é menor nos bairros difíceis, as expectativas dos professores são menos favoráveis às famílias desfavorecidas, que se mostram mais ausentes e menos informadas nas reuniões de orientação. A imagem extrema desta situação é a do tratamento dado aos alunos dos estabelecimentos de elite, públicos ou privados, que oferecem aos bons alunos, muitas das vezes socialmente privilegiados, numerosos cursos, com grupos reduzidos e professores motivados e experientes. Em suma, quanto mais favorecido o meio do qual o aluno provém, maior a probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais o sujeito for um bom aluno, maior será a possibilidade de aceder a uma educação melhor, mais diplomas obterá e mais será favorecido.

 

Numa sociedade democrática, ou seja, numa sociedade que em princípio postula a igualdade entre todos os indivíduos, o mérito pessoal é o único modo de construir desigualdades justas, isto é, desigualdades legítimas, já que as outras desigualdades, principalmente as de nascimento, são inaceitáveis. Portanto, é preciso construir esse sistema, tomando cuidado para que exista igualdade de oferta escolar (Dubet, 2004).

A discriminação observada consiste, na maior parte das vezes, em colocar o dinheiro e a qualidade de um lado, e os guetos de pobreza e das dificuldades, do outro. Ora, sabe – se que a escola, pública ou privada, participa em diversos mecanismos de “mercados” escolares: escolas fortes de um lado, escolas de segunda categoria do outro. A melhor maneira de resistir a esse fenômeno incompatível com uma lógica puramente igualitária é a introdução de mecanismos compensatórios eficazes e centrados nos alunos e no seu trabalho: actividades desportivas e culturais, estabilidade e qualidade das equipas educacionais e preparação específica para os exames (Dubet, 2004).

Garantia de competências mínimas

Uma das formas de justiça social consiste em garantir um mínimo de recursos e proteção aos mais fracos e desfavorecidos. Desse ponto de vista, um sistema justo garantiria limites mínimos, abaixo dos quais ninguém deveria ficar: é o caso do salário mínimo, da assistência médica e dos benefícios elementares que protegem os mais fracos da exclusão total. Esta concepção de justiça considera que a justiça de um sistema escolar pode ser medida pelo modo como trata os mais fracos e não somente pela criação de uma competição pura. Mais exatamente, esta considera que as desigualdades são aceitáveis, ou mesmo justas, quando não pioram as condições dos mais fracos, ou seja, um sistema justo, não é o que reduz as desigualdades entre os melhores e os mais fracos, mas o que garante aquisições e competências vistas como elementares para os alunos menos bons e menos favorecidos (Dubet, 2004).

É importante definir os conteúdos da cultura escolar comum, aquela que todos os alunos precisam de adquirir no final da escolaridade obrigatória. Ora, os programas não são concebidos desta forma. Dentro de uma lógica justa que permite que todos atinjam a excelência, os programas são definidos por essa mesma excelência e logo a partir deste momento, os alunos mais fracos encontram – se em desvantagem. Esta concepção de justiça implica, então, uma mudança de perspectiva: os programas da escolaridade obrigatória devem ser definidos a partir das exigências comuns, podendo os melhores alunos, evidentemente, aproveitá-los muito melhor e progredir mais depressa (Dubet, 2004).

Uma escola eficaz

A escola visa conceder diplomas a todos os alunos. Pode-se então considerar que esses diplomas têm um valor utilitário, porque fixam o nível e as oportunidades de emprego a que os indivíduos podem concorrer. Umas das grandes causas da injustiça provém do facto de que determinados diplomas têm grande utilidade, ao passo que outros não têm nenhuma. Evidentemente, seria uma ilusão pressupor que todos os diplomas têm a mesma utilidade, mas é escandaloso observar que certos diplomas não têm quase nenhuma, especialmente os que provêm de cursos de formação geral mais fraca e que não oferecem um nível de qualificação capaz de fazer a diferença no mercado de trabalho (Dubet, 2004).

As esferas de justiça

 Walzer (1997) considera que de todos os campos da actividade social surgem sistemas de desigualdade. A escola, a economia, a cultura e a política criam as suas próprias desigualdades. As desigualdades de cada um destes domínios podem e devem ser combatidas. Assim, as desigualdades económicas causam desigualdades na esfera escolar, cultural e no acesso a cuidados de saúde. Deste ponto de vista, um sistema justo é aquele que assegura uma certa independência entre as diversas esferas. É, aliás, o que tenta garantir o princípio da igualdade de oportunidades ao tentar proteger os indivíduos das desigualdades económicas (Dubet, 2004).

Estamos habituados a pensar na justiça escolar em termos de efeitos das desigualdades económicas e sociais no desempenho dos alunos. Mas numa escola justa observa – se também o inverso, ou seja, os efeitos das desigualdades engendradas pela escola sobre as desigualdades sociais (Dubet, 2004).

Existe uma clara injustiça quando se constata que os filhos de famílias desfavorecidas têm mais probabilidade de ser conduzidos para ocupações não qualificadas. No entanto, existe uma injustiça ainda maior quando a reprodução destas desigualdades vem acompanhada de uma estigmatização e de uma desvalorização dos indivíduos (Dubet, 2004).

Conclusão

É necessário assegurar uma maior igualdade de oportunidades. É preciso também garantir o acesso a bens escolares fundamentais, ou, para afirmar de modo mais incisivo, a um mínimo escolar. A escola justa deve também preocupar – se com a utilidade dos diplomas atribuídos. Ao mesmo tempo, e de maneira oposta, deve zelar para que as desigualdades escolares não produzam, por sua vez, desigualdades sociais (Dubet, 2004).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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