Crianças institucionalizadas
1. Antecedentes jurídicos e sociais
A institucionalização consolida-se como a principal medida de proteção da infância. “Em Portugal, a entrega de crianças sem suporte familiar a amas … é muito antiga”, “com o estabelecimento de regras para o recrutamento de amas, de condições para o exercício da tarefa que lhes é incumbida e com a determinação das funções e objetivos desta forma de prestação extrafamiliar de cuidados” (Martins, 2005, p. 69). As raízes do Acolhimento Familiar estendem-se à génese do grupo, ou da comunidade, e fundamentam-se no espírito solidário, de entreajuda, ou nos deveres inerentes aos laços familiares (Delgado, 2010).
Por Acolhimento Familiar entende-se a colocação temporária de crianças cuja família natural não esteja em condições de desempenhar capazmente a sua função educativa, em famílias consideradas capazes, que devem proporcionar um meio substitutivo que garanta a segurança, o afeto, e o respeito pela personalidade, pelo nome, origem e identidade (Delgado, 2010).
Atualmente, o Acolhimento Familiar é promovido pelas instituições de enquadramento que podem ser os Centros Distritais de Segurança Social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no caso específico da capital, e as instituições particulares de solidariedade social que, de acordo com o seu estatuto, disponham de meios adequados para atuar com essa finalidade, mediante acordos de cooperação celebrados com as duas entidades anteriormente referidas (Delgado, 2010).
É à instituição de enquadramento que compete selecionar as famílias de acolhimento, formá-las, acompanhar o acolhimento e emitir parecer sobre a continuação, alteração ou cessação da medida, fases e procedimentos (Delgado, 2010).
2. Natureza e âmbito do Acolhimento Familiar
O objetivo da intervenção é o de proteger as crianças dos perigos, de garantir o desenvolvimento físico, moral e psíquico da criança, de modo adequado à sua idade e ao contexto sócio cultural que a rodeia (Delgado, 2010).
Segundo o artigo nº 2 do Decreto-Lei nº 11/2008, o acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, e visa a integração da criança ou do jovem em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessárias ao seu desenvolvimento integral (Delgado, 2010).
Para que a pessoa ou a família seja declarada competente para acolher é necessário o preenchimento de um conjunto de requisitos e o cumprimento de várias fases integradas no processo de seleção. E para desempenhar devidamente a sua função, de modo a garantir o ambiente familiar necessário para o desenvolvimento integral e para o bem-estar da criança acolhida, os acolhedores precisam de estabilidade, de apoios financeiros, para suportar as despesas, de uma remuneração, de formação inicial e contínua, de um acompanhamento contínuo e eficaz na fase inicial da estadia, no seu decurso e quando acaba a vida conjunta (Delgado, 2010).
Institucionalização de crianças e jovens em Portugal Continental: O caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social
Introdução
Os fenómenos da violência e dos maus-tratos no seio da família não são novos, embora, só desde há algumas décadas tenham começado a ser considerados como um problema social. A violência familiar começou por ser considerada uma realidade, na década de 60. Anteriormente, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, os maus – tratos infantis eram compreendidos no contexto do abandono a que inúmeras crianças tinham ficado expostas. A denúncia feita por algumas vítimas e o aumento progressivo da comunicação social criaram uma consciência pública sobre este problema, verificando – se que a família é o lugar privilegiado de violência (Cansado, 2008).
O problema da violência intrafamiliar constitui uma das maiores contradições da família moderna. Se, por um lado, a família constitui um ambiente favorável à realização pessoal dos seus membros, à partilha de tarefas, à igualdade de oportunidades como dimensões essenciais para a sua organização e funcionamento, por outro, ela também constitui um espaço onde acontecem situações de violência (Cansado, 2008).
O fenómeno da criança maltratada resulta, em parte, da actuação de processos estruturais de exclusão social sobre determinadas camadas sociais. Contudo, a actuação destes mecanismos de exclusão possui repercussões mais profundas, contribuindo para fenómenos de desagregação social, facilitando assim a reprodução do ciclo de pobreza. Excluídas e marginalizadas, as crianças maltratadas sobrevivem dentro de um contexto de constrangimentos e adversidades que, caso não seja alterado, constituirá um quadro de referência para o seu processo de crescimento e maturação (Cansado, 2008).
Nestas circunstâncias, a frequente exposição da criança ou jovem a estes contextos, marcados pelo abandono que os leva para vivências em meios marginais, ao vício e ao promíscuo, terminam com a intervenção das redes formais (Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, Tribunal) e, não raramente, com a colocação do menor num Lar de Infância e Juventude. A intervenção das instituições ligadas ao Estado e/ou das instituições particulares de solidariedade social tendo como objectivo a “normalização” das suas práticas de modo a torná-las socialmente aceitáveis, choca muitas vezes com os contextos adversos em que estas crianças se encontram inseridas, assim como as próprias experiências por estas vivenciadas (Cansado, 2008).
Na realidade, o problema de colocação em instituições destas crianças levanta sérias questões. Se é certo que uma criança ou jovem não podem ser sujeitos nem mantidos numa situação de violência, a verdade é que, a sua institucionalização pode consistir uma nova forma de violência. Estas crianças e jovens conhecem um mal-estar psicológico constante provocado pelo abandono familiar, pela negligência ou pelos abusos a que foram sujeitas (Cansado, 2008).
Por tudo isto, cabe à Instituição a responsabilidade, a partir do Acolhimento destas crianças, atenuar a ruptura familiar e proporcionar um conjunto de novas aprendizagens e experiências. Uma dessas novas experiências é, muitas das vezes, o ingresso ou o reingresso no sistema educativo. A criança tem que aprender novas regras, frequentar uma nova escola, fazer novos amigos, ou seja, ser incluída num novo meio social (Cansado, 2008).
A problemática da institucionalização de crianças e jovens em Portugal Continental
A situação psicossocial da infância em Portugal é, ainda um campo com algumas lacunas no domínio do conhecimento científico, assim como, a sociedade ainda se mostra de certa maneira ambivalente entre a concepção do que é educar ou castigar. Contudo, assiste-se a uma progressiva viragem para determinados fenómenos que a envolvem, nomeadamente, no que toca aos maus-tratos infantis. Os maus – tratos infantis acontecem, em muitos casos em ambientes familiares e/ou em contextos privados, sendo perpetrado frequentemente por pessoas próximas, não raras as vezes familiares da criança. De uma forma genérica, define-se maus – tratos infantis como “qualquer forma de tratamento físico e/ou emocional, não acidental e inadequado, resultante de disfunções e/ou carências nas relações entre crianças ou jovens e pessoas mais velhas, num contexto de uma relação de responsabilidade, confiança e/ou poder.” Assim, os maus – tratos a crianças podem compreender ofensa à integridade física, à liberdade pessoal e à autodeterminação sexual (Cansado, 2008).
Em Portugal, pelo menos 12245 crianças e jovens estão em situação de acolhimento institucional, ou seja, estão entregues aos cuidados de uma IPSS. De uma forma genérica, pode-se caracterizar as IPSS como sendo Instituições privadas, sem fins lucrativos, que agregam mais do que uma valência, muitas dessas valências encontram – se ligadas à infância. A grande maioria das IPSS é apoiada financeiramente pelo Estado, através dos acordos que estabelece com o Instituto de Segurança Social. A especialização da intervenção obriga a uma adequação das metodologias e da partilha das experiências e das tarefas (Cansado, 2008).
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens na sua intervenção profissional têm como auxilio as medidas previstas na Lei 147/99. Estas têm como finalidade proporcionar condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem – estar e desenvolvimento integral da criança ou jovem, bem como, garantir a sua recuperação física e psicológica de qualquer forma de exploração ou abuso. A Lei 147/99 prevê assim dois tipos de medidas (Cansado, 2008):
1. Medidas em meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outros familiares, confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida);
2. Medidas de colocação (acolhimento familiar, acolhimento institucional e adopção).
A colocação extra familiar deve ser entendida não apenas como uma falha ao nível do contexto parental, mas como oportunidade de ganhos efectivos, tanto para a criança como para a família. É aqui que a definição de critérios de sucesso se torna necessária, tendo em conta a situação das crianças aquando da sua entrada nas IPSS, quer ao nível das suas circunstâncias familiares, relacionais e sociais, quer do ponto de vista do seu desenvolvimento (Cansado, 2008).
No entanto, qualquer institucionalização pode comportar consequências negativas a diversos níveis, sobretudo pela vivência subjectiva de afastamento e abandono das crianças relativamente à família e pelas atribuições depreciativas e de auto – desvalorização que pode motivar. Por isso, a promoção da integração social das crianças implica um programa de vastas dimensões sociais, capaz de articular múltiplas dimensões e domínios (Cansado, 2008).
Aprofundar com:
recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/3366/Tese%20-%20Liliana-Agosto%20iii.pdf?sequence=1
www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/2997/1/(In)sucesso%20escolar%20de%20crian%C3%A7as%20e%20jovens%20institucionalizadas.pdf
www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S0870-82312009000400006&script=sci_arttex t
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