Enquadramento epistemológico
1. Conceptualização da Psicologia da Educação
Esta disciplina, unanimamente considerada científica por possuir objeto, métodos e recursos próprios, é reivindicada quer pelas Ciências da Educação, quer pelas Ciências Psicológicas (Couceiro, 2013).
A Psicologia da Educação, ao dedicar-se ao estudo e análise dos processos/fenómenos educativos, tem então uma tripla finalidade, tal como Coll et al. (1995) referiu:
a) Contribuir na elaboração de uma teoria que permita compreender e explicar melhor tais processos;
b) Ajudar a elaborar procedimentos, estratégias, modelos de planeamento e de intervenção que possibilitem a sua orientação numa determinada direção;
c) Facilitar a atualização ou implementação de algumas práticas educativas mais eficazes, mais satisfatórias e mais enriquecedoras para as pessoas que participam nessas práticas (cf. Coll et al., 1999, p. 48).
Esta tripla finalidade leva à operacionalização das três dimensões da Psicologia da Educação (cf. Quadro 1), sugeridas ou equacionadas por Coll e colaboradores, as quais vamos explorar de seguida.
2. Dimensões da Psicologia da Educação
Segundo Couceiro (2013), a Psicologia da Educação é composta pela dimensão teórico – conceptual ou explicativa, a dimensão projetivo – tecnológica e ainda a dimensão técnico – prática.
A primeira dimensão inclui então uma sequência de conhecimentos organizados conceptualmente (generalizações empíricas, leis, princípios, modelos, teorias, etc.) em relação aos componentes psicológicos dos processos educativos, por meio dos quais é possível obter uma melhor compreensão e explicação das caraterísticas, do desenvolvimento e das consequências desses processos (cf. Coll et al., 1999, p. 48). Esta dimensão procura assim a elaboração de teorias e modelos interpretativos e explicativos dos processos de mudança provocados ou induzidos nas pessoas pela sua participação em atividades educativas (cf. Coll et al., 1999, p. 52);
A dimensão projetivo – tecnológica inclui uma série de conhecimentos de natureza essencialmente procedimental sobre o planeamento e o esboço de processos educativos ou de alguns dos seus aspetos (por ex.: atividades de ensino e de aprendizagem, procedimentos de avaliação das aprendizagens, seleção de materiais didáticos ou do plano de estudo, estratégias de atenção à diversidade, etc.). Significa que contribui na planificação de situações ou atividades educativas capazes de induzir ou de provocar determinados processos e tipos de mudanças nas pessoas que nelas participem (cf. Coll et al., 1999, p. 52);
Por último, a dimensão técnico – prática inclui conhecimentos de natureza principalmente técnica e instrumental, orientados para a intervenção direta no desenvolvimento dos processos educativos, seja a partir da perspetiva do exercício da função docente, seja a partir da perspetiva da intervenção psicopedagógica (cf. Coll et al., 1999, p. 49). No fundo, esta dimensão foca – se na vertente da Psicologia da Educação orientada para a intervenção e resolução de problemas concretos que surgem na preparação e no desenvolvimento de atividades educativas (cf. Coll et al., 1999, p. 52).
Quadro 1, in Couceiro (2013)
3. Contextos de Intervenção do Psicólogo(a) Educacional
É possível ao psicólogo(a) da educação encontrar local de intervenção em espaços educativos culturais como (Couceiro, 2013):
· Museus;
· Quintas pedagógicas;
· Escolas (instituições educativas escolares, formais, incluindo todos os níveis de ensino, creches, jardins de infância (públicos, privados));
· Espaços públicos;
· Associações, coletividades;
· Centros de formação;
· Autarquias (pelouros da educação, cultura, juntas de freguesia);
· Centros de investigação;
· Centros de recursos (editoras, fábricas de material didático, pedagógico, educativo, de formação);
· Centros de decisão (ministério, direções regionais de educação, etc.).
4. Perfil(is) de competências do Psicólogo(a) Educacional
Como afirmado por Couceiro (2013), o psicólogo(a) educacional para bem atuar num qualquer contexto de intervenção terá de possuir variadas competências. Estes são em grande parte denominadores comuns a outras áreas profissionais, dentro e fora da Psicologia. Assim, enumeramos as competências académicas e técnicas, e mesmo pessoais, passíveis de caraterizarem um perfil do Psicólogo(a) da Educação.
Quanto às primeiras, é importante para o seu desempenho profissional que o Psicólogo(a) da Educação possua conhecimentos aprofundados na área da psicologia do desenvolvimento (diversas teorias de diferentes autores, e sobre os diferentes aspetos e dimensões do desenvolvimento), da personalidade (igualmente, dos diversos quadros teóricos), da aprendizagem (na mesma linha de pensamento das anteriores), da educação (leitura diversa, flexível e atual), do aconselhamento e do comportamento vocacional, bem como um domínio dos métodos de avaliação e intervenção gerais e específicos (em função das problemáticas, faixas etárias e contextos) e das modalidades de investigação com maior aplicação no domínio da Psicologia da Educação (ter uma visão alargada, desprovida de preconceitos ideológicos).
Relativamente às competências pessoais é vital que o profissional tenha capacidade para trabalhar em equipa e interagir com outros agentes educativos e com profissionais de outras áreas do saber. É também de grande importância que o próprio possua boas capacidades de comunicação orais e escritas, fundamentais para a elaboração de relatórios e outros documentos a ser fornecidos a profissionais e não-profissionais. Por fim, é essencial que o psicólogo(a) tenha a capacidade de escutar e de realizar atividades tanto individuais como de grupo, com crianças, jovens e adultos em contextos de educação/formação e de emprego.
5. Divisão da APA
A área da educação fornece ao psicólogo “um ambiente aos profissionais com interesse em investigação, ensino ou prática em settings educacionais; a publicação de artigos acerca do seu trabalho no âmbito da teoria, metodologia e suas aplicações a problemas no ensino e na aprendizagem” (APA, 2000, Membership Dues Statement).
6. Temas, Paradigmas e Metodologia de Investigação
A investigação sobre o ensino e a educação emergiu na década de 30, dominada pela influência quase exclusiva da Psicologia. É possível registar um movimento que se desloca do behaviorismo para a psicologia cognitiva (Wittrock, 1978, in Figueira, 2001, p.28). Segundo Ana Paula Couceiro (2013), embora seja evidente a evolução destes paradigmas no domínio da investigação sobre o ensino, não é fácil reconhecer nem identificar os seus limites temporais e espaciais. As investigações apoiadas nestes paradigmas têm-se produzido de forma paralela e não se pode afirmar hoje que algum destes paradigmas se tenha instalado definitivamente como paradigma dominante (Bidarra, 1996, p.152, in Figueira, 2001). Assim, temos a partir de Shulman (1989, in Figueira, 2001), ao apresentar o Mapa Sinótico da investigação sobre o ensino (cf. Fig. 1), as relações entre as diversas unidades ou variáveis de investigação, em que se pode observar que quase toda a investigação sobre o ensino examina as relações entre as capacidades, ações (desempenhos) ou pensamentos manifestos pelos intervenientes, diferindo, contudo, nos aspetos eleitos para análise, na orientação de causalidade e no nível de globalidade e de contexto em que se efetuam as relações.
Figura 1: Mapa Sinótico da investigação sobre o ensino
Igualmente, Dunkin e Biddle construíram um modelo para a investigação do ensino. Neste modelo, os autores apresentavam quatro classes de variáveis:
1. Variáveis de presságio, ou seja, variáveis que têm a ver com as caraterísticas do professor, as suas experiências, a sua formação e outras caraterísticas que têm influência na conduta docente;
2. Variáveis de contexto, que remetem para as caraterísticas dos alunos, da escola, da comunidade e da sala de aula;
3. Variáveis de processo, isto é, variáveis que se relacionam com as acções observáveis dos professores e dos alunos, na sala de aula;
4. Variáveis de produto, que remetem para os efeitos imediatos e a longo prazo do ensino sobre o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos alunos.
Figura 2: Quatro classes de variáveis (Dunkin & Biddle, 1974; Shulman, 1989, p. 17, in Figueira, 2001)
Em termos cronológicos, é possível então sistematizar a temática das orientações na investigação sobre o ensino, aglutinando os diferentes e principais programas de investigação em duas categorias maiores:
· Os programas de investigação de influência marcadamente behaviorista;
· Os programas influenciados pelas correntes cognitivistas.
Neste sentido, seguindo a ordem cronológica de intensidade das investigações, encontramos nos modelos sob influência comportamentalista:
· O paradigma presságio-produto, ou investigações centradas nas caraterísticas dos professores -> Investigação sobre as características dos professores, centrada nas suas qualidades pessoais, enquanto preditores de eficácia;
· As investigações centradas nos métodos de ensino -> O programa de conteúdos e objectivos, a forma de organização do espaço e dos materiais, e as dinâmicas interactivas com os alunos, ou seja, os métodos de ensino;
· Por último, o paradigma processo-produto, ou investigações centradas nos comportamentos observáveis dos professores -> Influencia directamente a aprendizagem (produto) dos alunos.
Quanto aos programas de investigação sob a influência cognitivista, encontramos:
· O paradigma dos processos mediadores, ou investigações centradas nos processos dos alunos -> Pretende-se a caracterização dos processos de pensamento e das motivações dos alunos.
· O paradigma dos processos mediadores, centrado nos processos cognitivos dos professores, ou paradigma do pensamento do professor -> Este tipo de investigações centra-se, fundamentalmente, no estudo dos pensamentos, crenças e concepções dos professores;
· Por fim, paradigma ecológico ou contextual, ou paradigma da ecologia na sala de aula -> Põe a tónica na complexidade dos contextos da sala de aula, realizando uma análise mais complexa das interacções entre as exigências e características do meio e as estratégias desenvolvidas pelos sujeitos para lhes responder.
7. Temas, Paradigmas e Metodologia de Intervenção
Melo e Pereira (2007) referem no seu artigo sobre os “processos de mediação na emergência do modelo ecológico – desenvolvimental em psicologia da educação” que hoje é relativamente consensual que o desenvolvimento humano se processa em interacção, que para a análise dos processos educativos é necessário tomar em linha de conta e analisar de forma holística os diferentes contextos sociais e culturais nos quais a pessoa se movimenta. Durante longos anos a psicologia da educação esteve presa a modelos que privilegiavam as diferenças individuais e tendiam a ignorar as dimensões sociais e ambientais no desenvolvimento humano.
Esta concepção levou os Psicólogo(a)s da Educação a intervir em contextos educativos que se pautavam por abordagens e modelos centrados num paradigma médico – psicológico, baseado nos pressupostos médicos de doença e causalidade interna dos problemas de aprendizagem da criança — se a criança não aprendia era porque havia algo de errado nela. Atualmente predomina a perspetiva sistémica, que surgiram com a necessidade de reconstrução da psicologia da educação, com novas formas de intervenção destacando o papel dos contextos de interação do indivíduo, permitindo assim uma ação mais preventiva e pro – ativa do psicólogo(a)(a) da educação.
Para Carvalho (2008), a teoria sistémica conceptualiza então o comportamento humano como um conjunto de interacções entre as características do indivíduo e os múltiplos ambientes em que está integrado.
Apter e Conoley (1984) sugerem assim 4 asserções da teoria ecológica, designadamente:
1. O facto de cada criança ser uma parte inseparável de um pequeno sistema social.
2. As perturbações não serem apenas vistas como localizadas na criança, mas sobretudo ao nível do sistema, o que requer também uma avaliação de factores ambientais;
3. A discordância pode ser definida como uma disparidade entre as capacidades do indivíduo e as expectativas ou exigências do ambiente – falha na compatibilização entre criança e ambiente;
4. O objectivo de qualquer intervenção é fazer o sistema funcionar.
De facto, ninguém funciona em isolamento. Somos influenciados pelos múltiplos sistemas que nos rodeiam e dos quais fazemos parte e, assim, não se poderá efectuar intervenções eficazes descontextualizando os problemas das crianças e dos jovens como patologias internas, como o modelo médico afirmava.
Ver também:
www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-25551998000200004&script=sci_arttext