Insucesso Escolar
Conceito e diversas abordagens do insucesso
O problema do insucesso escolar surgiu quando a escola se tornou obrigatória, pois praticamente até ao século XX, só as crianças das classes cultas recebiam instrução.
Com a escolaridade obrigatória, a escola tornou – se a arena dos maiores combates da criança. Falar de sucesso ou insucesso escolar é pôr em causa, não apenas o aluno, mas os professores, os pais, o ambiente que rodeia a criança, a instituição em si e, enfim, toda a sociedade. Daí a complexidade do problema que não pode ser interpretado parcialmente, mas numa visão global, considerando todos os fatores pessoais, interpessoais e institucionais (Barros e Barros, 1996).
Tempos atrás, o “culpado” do insucesso era essencialmente o aluno, que era apelidado de “preguiçoso”, “distraído”, “desinteressado”… Posteriormente acusou – se principalmente a escola, que não reunia as condições necessárias a uma boa aprendizagem, e ainda os professores que não se empenhavam ou não estavam suficientemente preparados. Assistiu – se depois a uma onda de interpretação predominantemente “socializante” ou política de fracasso escolar, apontando – se o dedo às condições degradadas do meio sócio – económico da família do aluno ou às deficiências do sistema educativo em geral, como se as pessoas mais diretamente em causa (o próprio aluno, os professores e os pais) fossem inocentes e pudessem lavar as mãos, incapazes de lutar o fatalismo imposto do exterior e de assumir as próprias responsabilidades (Barros e Barros, 1996).
Hoje dá – se conta de uma interação ou convergência de todas as circunstâncias, e em particular de todos os intervenientes: alunos (que à medida que vão crescendo se devem responsabilizar mais), professores, pais, psicopedagogos e políticos da educação (responsáveis pelos programas, pela formação dos professores, etc.).
Para se dar conta da complexidade do problema, basta pensar que há alunos “inteligentes”, mas que fracassam, e alunos mais modestos intelectualmente e que obtêm sucesso; há alunos pobres e de meios degradados, mas bem – sucedidos, enquanto outros mais abastados e de ambientes favorecidos podem não ter sucesso. Sinal de que estão em causa muitos fatores e que é necessário ter uma visão holística do fenómeno. Além disso, os diversos fatores não se encontram isolados entre si, mas intimamente interrelacionados. Pode afirmar – se que o meio “faz” a pessoa e a pessoa o meio, o professor “faz” a escola e a escola o professor, o professor “faz” o aluno e o aluno o professor, o professor interage com os pais e estes com o professor, direta ou indiretamente, através do aluno – filho ou filho – aluno (Barros e Barros, 1996).
O insucesso pode camuflar – se por detrás dos mais diversos sintomas, como a “preguiça”, a falta de interesse e de atenção, a hipo ou hipercinesia, a fobia da escola ou o medo de exames. Há também pais que nunca estão satisfeitos, considerando insucesso se os filhos não atingem sempre altas classificações (Barros e Barros, 1996).
As consequências do insucesso dependem de muitos factores, quer por parte do aluno, quer dos pais, em particular. Se o aluno é ansioso e perfecionista, ou estuda sob pressão ou mesmo por medo dos pais, o fracasso pode significar consequências graves, o mesmo não acontecendo se os pais desdramatizam a situação, mais interessados em que os filhos estudem por gosto e dever pessoal do que por imposição. Os reprovados podem sentir graves complexos de culpabilidade, de humilhação, sentimentos de impotência, baixar o nível de aspiração e a motivação para a realização, sentir – se frustrados, e outras consequências que podem, em casos extremos, levar à depressão e mesmo ao suicídio.
Por outro lado, nem sempre ter sucesso escolar significa sucesso profissional, embora uma boa escolaridade possa prenunciar um bom emprego. Mas pode acontecer que alunos que não conseguem progredir na aprendizagem escolar, possam posteriormente ser bem – sucedidos no mundo laboral, mesmo sem fazer a escolaridade obrigatória (Barros e Barros, 1996).
Etiologia do insucesso escolar
1.1.Interpretação centrada no aluno
O aluno é uma identidade em si única e personalizada, mas também intimamente dependente do micro, meso e macro – sistema.
Apesar desta dependência, o aluno não perde a sua individualidade, liberdade e consequente responsabilidade, à medida que vai crescendo. Este não é apenas uma “vítima” do sistema, mas deve ser o primeiro responsável pelo sucesso ou insucesso em situações normais (Barros e Barros, 1996).
Sem entrar na discussão sobre qual dos factores (hereditariedade – meio) é mais determinante na inteligência, motivação, personalidade, etc., da pessoa, é verdade que o aspeto genético – constitucional é determinante para o sucesso ou fracasso, assim como a constituição neurológica e endocrinológica, fatores afetivo – motivacionais e personológicos e ainda outros aspectos somáticos. Mais diretamente, o rendimento escolar está dependente da capacidade de perceção e atenção do aluno, das suas potencialidades linguísticas e da sua inteligência nos seus diversos fatores (Barros e Barros, 1996).
1.2.Interpretação centrada na escola (no professor)
Para Rutter et al. (1982) a escola não é só o professor (além do aluno, evidentemente), embora este tenha papel decisivo sem contudo menosprezar o papel de outras variáveis, como a relação grupal da turma.
Quanto ao professor, é incontestável a sua importância decisiva, dependendo não apenas daquilo que sabe (competência científica) e do que sabe ensinar (formação pedagógica e didáctica), mais ainda e sobretudo do que sabe ser (atitudes, valores). Por outras palavras, o professor vale mais por aquilo que é do que por aquilo que faz. Está em causa a sua personalidade mais ou menos pacífica ou agressiva, mais ou menos optimista ou pessimista, democrática ou autoritária. O clima afectivo da aula é sumamente importante para a motivação e aprendizagem dos alunos, e é criado em grande parte pelo docente. Outro aspeto importante é a sua capacidade de controlo da ordem ou da disciplina, sem a qual é difícil um clima propício à aprendizagem (Barros e Barros, 1996).
Ainda quanto ao sistema escolar é de considerar o tipo de escola, a estruturação da classe (número de alunos, critério de formação das turmas), a gestão do tempo ou horário de aulas e dos recreios (ritmos escolares), situação geográfica da escola, pessoal de apoio, material de apoio (áudio – visual, etc.), e outras estruturas como campos de jogo. No sistema escolar deve ainda incluir – se as autoridades políticas que interferem direta e decisivamente com a escola e com os professores, particularmente o Ministério da Educação (Barros e Barros, 1996).
1.3.Interpretação centrada na família
A família está sempre presente em todos os momentos da criança e da criança – aluno. As relações entre pais e filhos são mais importantes para o desenvolvimento e rendimento da criança do que o seu estatuto sócio – económico – cultural, embora este influencie em grande parte a qualidade afetiva da família. Mas acontece que há famílias de médio ou alto nível sócio – cultural e com pobreza de relações humanas, enquanto que podem haver famílias modestas e até mesmo degradadas socialmente mas que, apesar de tudo, mantêm laços afetivos fortes.
Quanto ao sucesso escolar, pode adaptar – se o ditado: “diz – me de que família vens, e dir – te – ei que sucesso escolar tens”. Efetivamente, grande parte das vezes o fracasso dos alunos (e do seu comportamento na sala de aula) pode indicar fracasso da família, com relações perturbadas no seu interior, sentindo – se a criança descompensada afetivamente, e por isso também sem motivação intelectual. A criança escolar depende grandemente da “criança familiar” ou da “personalidade familiar” (Barros e Barros, 1996).
Segundo Chiland (1983) quase não há família que não tenha algum “handicap”, sendo as mais atingidas as de nível sócio – económico mais baixo. Por isso, o estatuto sócio – cultural tem também o seu peso determinante na educação e no rendimento escolar, dele dependendo outros aspectos, como a presença dos pais no lar, o tamanho do agregado familiar, as possibilidades de leitura (livros, jornais), o interesse dos pais pelo estudo dos filhos, o nível de aspiração, etc. (Barros e Barros, 1996).
Quando se estuda o impacto das variáveis familiares sobre o sucesso escolar, o comportamento e atitudes parentais aparecem mais ligadas aos resultados escolares que as variáveis “objetivas” ou estatuto social, havendo também estudos que tendem a demonstrar uma relativa independência dos fatores “educagéneos” dos fatores sócio – económicos.
De qualquer forma, é incontestável a influência da família, e em particular dos pais, no rendimento escolar dos filhos, através das múltiplas relações afetivas que criam o “clima familiar”, através dos estilos educativos parentais (com mais ou menos amor e mais ou menos autoridade), tendo em conta as variáveis subjetivas ou objetivas (Barros e Barros, 1996).
Variáveis familiares com influência no sucesso escolar dos filhos:
· As expetativas dos pais quanto ao futuro intelectual dos filhos (nível de aspiração);
· Interesse (participação) nos seus trabalhos escolares;
· Contacto com a escola e os professores;
· Ambiente afetivo familiar (harmonia ou desarmonia);
· Estilos educativos parentais;
· Presença ou ausência dos pais no lar;
· Número de filhos;
· Saúde física ou mental do casal;
· Nível sócio – económico e cultural (profissão dos pais);
· Famílias mais ou menos “anormais” (como é o caso de pais divorciados, toxicodependentes ou mães prostitutas).
1.4.Interpretação centrada na sociedade
A família constitui a micro – sociedade envolvente da criança e a escola a meso – sociedade. Mas existem outros sistemas sociais mais ou menos próximos da criança, da família e da escola, como o grupo de colegas fora da escola, as diversas instituições sócio – culturais e recreativas, a que eventualmente pode pertencer e por exemplo, o grupo étnico. Segue – se a macro – sociedade em geral, onde se situam também os sistemas políticos e mais em particular as instituições responsáveis pelos programas educativos e por tudo o que diz respeito à política educativa. Tudo isto interfere, direta ou indiretamente, com a aprendizagem e com o rendimento escolar, sobretudo agindo na criança – aluno através da influência que exerce na família e na escola (Barros e Barros, 1996).
Forquin (1982) afirma que existe uma relação positiva entre o insucesso e as classes desfavorecidas, particularmente nos alunos mais novos. Mas esta correlação é mediada por outras variáveis, como o nível de aspiração e a motivação para a realização (Barros e Barros, 1996).
Em conclusão, podiam enumerar – se algumas variáveis predominantemente de índole social:
· Nível sócio – económico e cultural onde se insere a família e a escola;
· As possibilidades ou expectativas de saídas profissionais ou de emprego;
· Prestígio dos diversos cursos conforme as circunstâncias;
· Actividades extra – curriculares, os diversos grupos onde o aluno e a família se inserem;
· Influência e interferência da comunicação social;
· Momento político que o país ou a comunidade internacional atravessam. (Barros e Barros, 1996).
2. Promoção do sucesso escolar
Deve investir – se em todos os agentes educativos, a começar pelos próprios alunos, que são o centro de convergência de todas as forças, prosseguindo pelos professores, que devem acreditar nas suas potencialidades, continuando pela família que tem um papel determinante na realização escolar dos filhos, e ainda pelo meio ambiente onde a escola e a família se inserem. O poder político, e em particular o Ministério responsável direto pela educação, devem esforçar – se por criar condições favoráveis ao sucesso.
É necessário ter uma visão sistémica e holística das causas deste fenómeno tão complexo e por isso a intervenção deve fazer – se o mais precocemente possível, permitindo a todas as crianças frequentar a escola pré – primária, o que constitui já um grande avanço ao eventual insucesso futuro, pois as estatísticas demonstram que o sucesso na escola primária, e mesmo na secundária, é maior quanto maior for a pré – escolarização, particularmente com crianças provenientes de meios desfavorecidos (Barros e Barros, 1996).
Conclusão
É verdade que o insucesso escolar não corresponde automaticamente a insucesso na vida, e às vezes, paradoxalmente, pode até funcionar como rampa de lançamento para o sucesso profissional. Mas na maior parte dos casos, o fracasso escolar significa fracasso pessoal e social. Daí a necessidade de lutar com todos os meios e a todos os níveis contra este flagelo social, acreditando sempre que este não é uma fatalidade (Barros e Barros, 1996).